Eu estava preparando alguma gororoba para comermos enquanto apreciava os móveis improvisados daquela cozinha: as cadeiras de praia e a mesa de plástico, e a ausência total de qualquer outro móvel útil, a panela velha que faz comida boa, e nossos pouquíssimos pratos e talheres. A luz da rua entrava pela janela emperrada que nunca abríamos, era madrugada não sei que horas, as notas daquele rock sujo que tocava pareciam bailar sob as nuvens de nicotina no ar.
Foi então que você apareceu, vestindo apenas aquela minha camisa xadrez que tanto gosta, indagando sobre o que eu andava a fazer e importunando-me como sempre faz. Eu mal prestava atenção para seus assuntos desconexos, estava mesmo preocupado em lhe fazer alguma comidinha gostosa. Foi então que você, cansada da minha indiferença, abraçou-me por trás enquanto eu estava com a comida no fogo e sussurrou algumas palavras em meu ouvido. E aí que algumas poucas palavras suas são como um sopro de alegria que percorre todas as células do meu corpo, eu acho que nem escutei o que você disse naquele momento, apenas me concentrei na sua voz baixa em meu ouvido e foi o suficiente para me fazer desmoronar. A comida queimando e as poucas roupas que usávamos agora sobre as cadeiras de praia.
Acho que eu gosto mesmo de cada pequena irregularidade da nossa vida. Gosto mesmo da nossa vida.