segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Café, mobília e boa sorte

As frases vão fibrilando na garganta
em um caótico calar de bocas.
Não sou mais quem conjuga meus verbos,
perco-me em meio a pronomes: eu, tu, ele...

Verto xícaras de café compulsivamente:
que lânguido estar estar sem ti.
Meus músculos estão amarrados
aos livros da prateleira, às histórias pra contar.

Os móveis da sala já me conhecem,
a poltrona abraça-me em delírios:
tranforma-se em divã improvisado.
Filtro-me em catarses cinematográficas.

Só espero agora o calar de mentes,
os dentes pararem de ranger.
E quem sabe aquele rei esteja certo,
mas prefiro acreditar em Pullovers:

Tudo que eu sempre sonhei é só sonho,
mas foi bom estar ali.
Agora é pura questão de me acostumar,
de me perder novamente em progressões.

E na cidade os carros passam tão altos
que não consigo nem ao menos escutar
Cartola no fone do celular.
Tudo de triste ensurdecido, trancado.

As razões me fogem, me escapam.
Só percebo que, no final das contas,
não tem equação que explique,
não tem lógica cartesiana.

Faltou gosto de perigo na boca
e um pouco de hiperbolismo em seus gestos.
Faltou um tipo de exagero diferente,
não teve o suficente da gente.

Faltou mar de ressaca,
qualquer coisa que invadisse sem piedade.
Mas tiveram os olhos,
aqueles de Capitu.

Vou oxidando lembranças.
Não vejo torpor nem pranto,
só manchas daquelas que não saem.
Tá tudo manchado.

sábado, 17 de setembro de 2011

Triste fim de uns sem nomes

Falha tentativa de construir seus atos
com meus parafusos frouxos, antipragmáticos.
Que desculpa terei eu
para beliscar sua moral, apertar seus botões?

Faço serão esperando raiar de novo
os dias daqueles dias - e que dias!
E nesse aguardo guardo comigo
toda instiga, todo icing on the cake.

Em aprofundar massas duvidosas
invade o gosto amargo substituto
sem cor nem sons: surda escuridão.

Provoco estupor e tabagismos
e derramo fumaça líquida em suas roupas.
Aonde foi parar nosso créme de la créme?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sobre as coisas que me escapam pelos dedos

É uma idiossincrasia estarrecedora essa coisa de acreditar em platonismos, parece que a grama do vizinho é sempre mais verde - é uma cegueira interior, um eterno olhar pra fora. Fico meio paranoico com as coisas que vejo sem ver, com esse molde maniqueísta da vida - ou tá bom demais ou tá tudo errado. Tijolo por tijolo construi essa fortaleza de absurdos e fantasias onde não existe lugar para um pouco de diplomacia ou bom-senso. Sempre quis ser aquele casal de velhinhos que vai ao parque juntos, que tem uma rotina gostosa e que não se preocupam mais com problemas do coração - bom, pelo menos do coração simbólico. Deve ser confortável não ter preocupações, cegar a própria desconfiança e ter saldo positivo no banco pra fazer algumas viagens pelo mundo. Ou então só estou constantemente descontente mesmo, não sei. Gostaria de, semana que vem, entrevistar o casal do parque: a parte mais bonita da terceira idade é escutar suas histórias, pra que perder meu tempo com essa desconstrução de mundo que Hollywood propõe? Perguntaria à eles como se conheceram, há quanto tempo estão juntos, pediria separadamente pra cada um deles qualidades e defeitos do outro só pra entender que não precisa ser perfeito, que só precisa dar certo. Por fim eu perguntaria qual era o segredo deles - afirmo com toda certeza que o segredo da felicidade deles é a pergunta metafísica que todos nós deveríamos estar tentando responder: o começo, o meio e o fim do homem estão essencialmente em sua felicidade - essa felicidade que Aristóteles já dizia milênios atrás que só seria atingida naquele momento em que eles estavam, quando a idade já batia à porta e a vida extravasava de seus poros em sorrisos mais que sinceros. Pra mim essa é a lógica do mundo. Pena que me falte lógica. Pena que eu seja tão jovem.
Não que ser jovem não tenha lá suas vantagens: estou sempre aprendendo coisas novas e a falta de uma rotina está sempre enriquecendo os meus dias; posso desenhar o que está por vir e tenho sempre alguns acessos de felicidade; minha casa está sempre revirada e posso botar as coisas de cabeça pra baixo; não sou atado pela vida. Mas as atas da vida oferecem algum tipo de conforto, de segurança, sem falar que ser jovem também é carregar um fardo. Bukowski dizia que o tempo é a cruz de todos nós. Minha interpretação disso é que carregamos o peso do quanto dura nossa existência - quanto mais perto do fim e de finalizar o que tínhamos pra fazer menor fica o fardo. E então chega um ponto em que o fardo simplesmente deixa de existir ou fica pesado demais pra continuarmos carregando - é depreender-se ou se exaurir. Só espero saber a medida certa de cada coisa, ser menos os meus polos. Espero não ser jovem para sempre. Espero mesmo que nós não nos acabemos antes de tudo acabar. E quando chegar o momento, deixa eu ir um pouco antes, ok? Que eu não sei lidar bem com a solidão.

domingo, 11 de setembro de 2011

Canção do Exílio*

Perto de casa tem um parque, tem eucaliptos
e não sei ao certo que pássaros cantam lá.
Só sei (e não soube sempre)
do cheiro de saudade da minha cidade,
da falta amarga que me invade em brigadas.
Lembro das bicicletas, das quedas,
de apoiarmos em abraços embriagados
e ainda assim cairmos em tédio.

Sinto falta das conversas atropeladas,
de enxergar lógica em palavras embaralhadas.
Minhas sinapses extendem-se até seus corpos,
até os balões imaginários de suas falas.
Sinto-lhes acoplados à minha pele,
carrego-lhes infantilmente para onde for
e derramo pedaços de vocês em minhas viagens.
Minha verve fica abalada.

Aqui longe o silêncio é clautrofóbico.
Insisto na hipérbole de estar abandonado,
engasgo com as palavras, vou sufocando de leve:
crise asmática-lexical.
Devo ser por dentro um velho chato,
um conservadorzinho irritante.
Sou o péssimo hábito de reclamar,
esse eterno relinchar.

Vou enfeitando vocês com minha saudade.
Tenho uma necessidade louca de euforia,
de pessoas que explodam em felicidade,
de ligações inesperadas mais que esperadas.
Preciso encher a casa, a cara

Preciso
o
tempo
todo,
sou o cúmulo das necessidades.

sábado, 3 de setembro de 2011

Luzes

Aquela incapacidade de gritar à plenos pulmões, de botar pra fora o turbilhão que tinha dentro de si, era uma decepção para Melissa. Ela sempre fora reservada demais, correta demais, e agora estava condenada ao que todos pensavam dela. Tentava buscar outras maneiras de materializar seus medos e anseios: pendurava-se pela janela, quase se jogando, pra dizer ao mundo que aquela vertigem que ela sentia era sufocante. E ficava naquele êxtase terapêutico, com os passantes olhando para ela sem entender o que se passava. Ah, se pudessem compreender, se Melissa ao menos pudesse falar. Mas ela era muda, ou melhor, estava muda. Ela só fazia sentido para seus próprios tecidos, já possuia uma lógica própria. - Será que é assim que se enlouquece? - perguntava para si mesma. Pessoas decentes não se preocupariam tanto com a desaprovação, não estariam fazendo essa tempestade em copo d'água. Melissa não é decente. Esse tipo de silogismo fazia dela uma pessoa incoerente, uma anomalia na sociedade em que vivia.
E talvez quando ela decidisse falar já não fizesse mais sentido, a privação que lhe fora imposta e a qual ela inertemente deixou ser esse tempo todo tranformava-se em adaga cortante, atrofiava sua própria existência. Morar em suas filosofias não era uma resposta saudável. Mas Melissa descobriu que, além de se pendurar pela janela, também podia escrever. Podia transformar os devaneios que tinha deitada no chão frio de seu quarto em algo que existisse fora de sua cabeça, fora de suas paredes. Poderia, dessa forma, caminhar entre o seu microuniverso interior e o macrouniverso que a assustava tanto, com a proteção fornecida por seu eu lírico. Melissa dizia tudo sem dizer nada, e seu grito mudo tranformava-se em um estilo literário: era loucura artística ecoando pela sala.