quarta-feira, 3 de abril de 2013

Janaina

Olho pra sua pele verão de Pernambuco, sua quentura é um delírio oasístico. Estou sentado em uma cadeira de praia com minha pele fria exposta aos aires do mar que não via há mais de 3 anos. Seu cheiro de baunilha combina-contrasta com o calor, você é água na boca, água de coco. Tá de frente pra mim, com seu vestido amarelo tingindo o mar-céu por detrás de você. Seus pés afundando na areia em contorção enquanto você faz esforço qualquer pra me levar pro mar. Sua voz é um assovio de vento suave. A sua visão à minha frente é um quadro que eu queria pintar, é uma foto que eu queria tirar, é um momento que eu queria pausar. Você é toda aquarela que tenho dentro de mim, que quero botar pra fora mas não sei como. E você é muito mais do que os olhos vêem, você é essa planície inconsistente de profundidade incerta. Você cada dia é uma, você tem fases, você é de Lua. E também é cliché, daqueles bem escrachados, daqueles bem gostosos, música brega afromacarrônica. Uma mistura, porque você mistura fácil. E tem muito dessa dialética, dessa coisa louca da vida que a gente leva: longos períodos trancados no apartamento vendo filmes projetados por data show na parede branca de casa, e depois muita praia, caminhada, pé na areia, banho de mar e quem sabe até aquela vontade súbita de fazer rafting. Você é a natureza dentro do apartamento com suas plantinhas de nomes diversificados, nomes que você escolheu com muito carinho. E contigo a vida tem mais batuque, meu ritmo frouxo ganha percussão pra acompanhar. Eu tenho essa tendência de ser muito cidade, de ser loucura mecânica, de ser meio triste sem precisar, tédio de engarrafamento, eu tento ser um blues paulistano. A gente nunca pode se acomodar demais, sempre precisa 'tar se mexendo. Daí que você é um ar novo, revigor, ao mesmo tempo que é uma lembrança, ou todas as lembranças, botadas de um jeito pra me fazer rir quando não quero. Você é esse lugar-comum de toda minha vida, é matéria viva dos meus sonhos e dessa minha vontade louca de conhecer coisas das quais não faço parte. É minha vontade de ver a cara do mundo todo, e de ser um pouco de tudo isso. É um outro jeito de ser eu, projetado de maneira abstrata nas pessoas da minha vida. E, agora, nesse momento, você tá me deixando com uma vontade louca de juntar as tralhas e mudar pra Pernambuco.

sexta-feira, 22 de março de 2013

A inventividade da vida na clausura do teatro em "Opening Night"

É engraçado, existem certas obviedades da vida que regularmente nos passam desapercebidas. É uma realidade por debaixo da realidade, algo que a vida nos esconde (ou algo que nós nos forçamos a não ver). É como um jogo de sedução, certo conflito dialético entre o que somos e o que queremos parecer ser, um jogo no qual o sedutor nunca deixa perceber suas rachaduras ou o que move sua engrenagens mentais, apenas nos mostrando algo maravilhoso. Essa é a essência de todo tipo de espetáculo, é a matéria fundamental, é o modelo gerador de todo entretenimento que utiliza-se da construção, tijolo por tijolo, de uma realidade ilusória, mágica, fantasiosa para vislumbrar seus telespectadores. Eis o porquê da metalinguagem ser um recurso incrível, ela mostra para nós o espetáculo por detrás do espetáculo, as estruturas básicas, o processo criador e nos deixa mais próximos de um sentimento de realidade e de compreensão. Não é mais a impecabilidade de um espetáculo, é a tomada de consciência de que aquilo tudo foi previamente preparado, de que você está sendo apresentado a uma mentira. É isso que o filme me mostrou: uma peça de teatro e a míriade de esforços por parte de todos os envolvidos para que o espetáculo saia como planejado. Mas eis que a vida acontece, e os atores possuem problemas tão ou mais dramáticos do que os interpretados em cena. Não é mais a visão de um roteirista ou diretor, é uma máquina posta em funcionamento com certas indicações gerais mas que, em seu desenvolvimento, pode sair completamente de rota (afinal, isso é a vida). Eu acho que eu nunca tinha pensado no quanto as coisas poderiam sair do planejado, do quanto de inventividade pode existir em toda peça representada em qualquer lugar do mundo. Gena Rowlands se confunde com Myrtle Gordon que se confunde com Virginia que se confunde com Nancy, eis a multifacetação da personagem que vemos em tela e que está o tempo todo fazendo as coisas saírem do controle, intervindo no rumo do espetáculo, dialogando com o público. Consigo ver nessa Gena Rowlands a Gena de "Faces" com sua frieza sentimental disfarçada de euforia alcóolica, e consigo ver a Gena de "A woman under the influence" com seus momentos de desvario, seu rosto impregnado de uma jocosidade em relação à vida e seu jeito de mandar tudo à merda porque ninguém a entende. Eu sinceramente estou apaixonado pela Gena, por todas elas. E estou apaixonado por esse trabalho, por essa minuciosidade de John Cassavetes em nos fazer olhar para a parte mais desconfortável de nós mesmos. Se seus closes nos fazem olhar para cada fibra do rosto dos personagens, a sua trama e o seu trabalho de reencenação da vida nos fazem olhar bem no fundo de toda verdade desconfortável que nós evitamos ver. É camada atrás de camada, é um ritmo que nos faz ficar ao mesmo tempo vislumbrado e incomodado, é ilusão e realidade em harmonia.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Pão com manteiga, café e cigarros

Elias levanta-se lamurioso. As noite se tornaram cada vez mais curtas à medida que foi envelhecendo. Levantar-se da cama é um esforço digno de Atlas: Elias se ilude pensando que carrega o mundo em suas costas. Trata-se de uma variação psicológica do típico drama egomaníaco: um egomaníaco tradicional pensaria que as pessoas, os astros e o universo conspiram e funcionam a seu favor; mas, como Elias não foi agraciado com a riqueza nem a genealogia necessária para continuar acreditando nessa farsa, convenceu-se de outra forma que o seu levantar e trabalhar todos os dias é o motor essencial do mundo (a relativa grana de seus pais, sua pequena instrução e o fato de adorar Woody Allen lhe proporcionaram essa dimensão psicológica medíocre). Então Elias levanta e dá sequência à sua rotina melancólica. Vai à padaria perto de sua casa comprar pão francês e um maço de cigarros. Hoje é um dia especial, porque o preço do cigarro subiu. Elias simula desentendimento quando a moça do caixa lhe pede 20 centavos a mais: "Mas subiu? Nem eu fiquei sabendo dessa...". Em seguida reproduz algum discurso sobre a cobrança de impostos em cima dos cigarros: "Quem lucra com isso é o governo, uma exploração!". Por fim, volta para casa convencido de que seu dia havia começado mal.
Existe um tipo de ritual que Elias realiza todos os dias, que é tomar o café amargo sem açúcar com pão francês, e fumar um cigarro enquanto fica em silêncio pela casa refletindo. Ele vê nesse gesto algo de poético, algo de grandioso. Não sabe bem explicar o porquê. Prepara seu café com calma. É o único momento até o final do dia que ele irá poder ter algum tipo de calma ou sossego, então aproveita. Já sabe da dor de cabeça do transporte público: metrô pra ir pro emprego, dois ônibus pra ir pra faculdade. No começo enxergava no transporte público certo grau de poesia também. Veja bem, Elias se esforça pra enxergar o mundo através de lentes analíticas disfarçadas de otimismo (ou vice-versa), mesmo que faça isso revestido sempre de prepotência intelectual - ele é uma espécie de voyeur do cotidiano. De toda forma, via no transporte público algo já anunciado na literatura nacional pelo livro "O cortiço" de Aluízio de Azevedo: lembra-se dos dizeres de sua professora de literatura acerca do livro, sobre como o autor gostava de explorar narrativas transcorridas em espaços de vivência compartilhada, utilizando a proximidade dos indivíduos em seu cotidiano como uma forma de gerar situações que revelem as hipocrisias e confrontos inerentes à sociedade. Pra Elias, o transporte público de maneira geral era qualquer coisa assim: um pedaço de convivência com todo tipo de gente, mesmo que por um tempo limitado do dia. É "O cortiço" nosso de cada dia. Por um tempo até deixara de escutar música para poder escutar conversas. Mas hoje está em um momento da vida em que tudo provoca irritação, é um estado de insatisfação crônica. Ele sente-se extremamente preguiçoso em relação a tudo, e só quer atravessar os dias até essa maré passar. Ele sabe que passa, porque sempre passa. Toma o último gole de café, veste seus tênis e parte pra mais um dia. Seu rosto, antes de abrir a porta de casa para ir, é um misto de tédio, sono e tristeza. Todo mundo tem seus motivos.

domingo, 11 de março de 2012

Essa gripe me deixa meio azul

Umas pancadas na cabeça e a gente esquece até de como se escreve. E eu, que já era afirmação com ponto de interrogação no final, agora pego pontes desconexas e rumo ainda mais sem direção. Se meu coração fosse um toca-discos ele reproduziria um blues arrastado, daqueles de deixar todo mundo sisudo. E eu nem bebo mais. Uns meses atrás eu deixaria Tom Waits tocar no lugar do meu coração... e beberia. Mas não mais. Sinto como se minha vida tivesse de alguma maneira resetado, e que eu preciso reaprender uma série de coisas. Mudar sempre traz desconfortos para mim. Sou um velho careta acomodado em uma poltrona velha toda rasgada, e eu não quero abrir mão das minhas certezas. Afinal, eu sei de todos os rasgos da minha poltrona, e os rasgos são histórias que se afastarão de mim com a chegada de uma novíssima poltrona reclinável de couro que faz barulhinhos quando se mexe nela. A nova poltrona é uma melhoria de vida, é um avanço... ela representa um passo adiante em direção ao desconhecido. As coisas antigas me são muito queridas, e me magoa ser forçado a reciclar minhas lembranças. De toda maneira, eu ando meio triste. Tinha algumas expectativas que não foram pra frente, e agora estou em entropia kármica reclamando que preciso recolocar as coisas no lugar. Minha nostalgia é qualquer coisa parasitária dessa minha nova vida, e que precisa ser deixada de lado. Bazar Pamplona é um conforto gostoso: "todo futuro é fabuloso", "mas não esqueçam de viver bem devagar". É por aí...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Minha consciência pierrotiana

É aquele velho mal-estar entalado na garganta. Recorro ao petume, bebo fumaça como se fosse remédio caseiro, faço igual aos indígenas antes da comunhão com o sagrado. É um paradoxo no mínimo curioso: os rituais e as crenças que pra outros soam absurdas e ingênuas são a herança que carrego, e absurdo pra mim é todo o resto. Minhas percepções já estão alteradas, caso meus dedos com uma alucinação qualquer, deito meus olhos cansados sobre pretéritos perfeitos e imperfeitos... e mais-que-perfeitos. O bom de viver no passado é não enfrentar o desconhecido. Mas é inevitável, e portanto busco neste transe algum tipo de epifania, uma nova interpretação da realidade, uma direção, qualquer coisa que me permita enfrentar o que está por vir - mas nada aparece. Não sei o que dizer do desconhecido, não sei o que fazer com as coisas que não entendo. Aos poucos sou absorvido por uma realidade dura e crua, um maquinismo de pensamentos e logicidades, sou ridicularizado e torno-me um bárbaro que ainda acredita no amor rústico. O petume como conheço é substituído por algo bem mais aristocrático: chaminés cuspindo fumaça. Ah, a modernidade!

Mudança de cenário. Ando pelas avenidas largas da metrópole de nossos tempos: lojas com luzes piscantes, anúncios espalhafatosos, prédios e mais prédios... A vida até parece perfeita quando se vive neste cosmo pré-fabricado. Estou tão entretido com os concretos que não vejo e esbarro em um desses indesejáveis que estava agachado no chão. Tropeço e caio. O homem corre em meu auxílio pedindo por desculpas com o mais sem jeito dos jeitos. Estou prestes a dizer alguma idiotice quando reconheço o homem. Como não reconhecer uma das mais belas metáforas já criadas? Pierrot tem olhos chorosos e tudo nele denuncia desvario, neurose, esquizofrenia romântica. Pergunto o que ele fazia ali agachado no chão, e ele responde que havia perdido algo de importante valor. Insisto para saber do que se trata. Pierrot, com sua teatralidade e seu exagero inatos, responde que procurava pelo amor que lhe fugiu. E, como em um estalo, Pierrot transubstancia-se em mim. Ah, como pude esquecer? Arlequim, seu alcoviteiro, seu debochador, quando foi que deixei você vencer? Roubou meu amor, roubou o que eu acreditava, e eu meti-me neste ostracismo e nada mais quis enxergar! Aos poucos me acalmo. Não existe lugar na fluidez do mundo que vivo pra ingenuidade e para o amor platônico tipicamente pierrotiano, não é? Mas sempre existirão Arlequins e Colombinas. E talvez Pierrot seja visto como um louco, mas é só porque todos ao seu redor estão insanos e acham isso a coisa mais normal do mundo. Pierrot, ah, como sua lucidez me dói. Pierrot, você é o nó na minha garganta.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O amor em grego

te filo, sofia
filo pedaços de ti para mim
tuas maneiras, teus gestos, tuas frases
tuas escusas, teus carinhos
tua poesia ruim
tudo isto se torna muito meu

te filosofio
crio postulados sobre ti
teu gosto, teu cheiro,
teus cabelos da cor dos olhos
teus olhos, ah, teus olhos!
tudo isto se torna uma reflexão metafísica

Ó, Platão
que mundo de sonhos me deste
Ó, Aristóteles
que paradoxo do ser e estar feliz me mostraste
(quando se é jovem tudo são efemeridades,
até quando durará seu amor que não é amor?
- porque não sei nada, só penso que sei)

Na distância do sonhar tu te tornas uma idelização bonita

e por hoje basta a turbulência do que passas,
deixa a nossa velhice (e a felicidade) pra mais tarde, amor.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

síndrome de "locked-in"

a própria existência se apresenta como um cárcere anormal: não sei se minha mente é orquídea, erva-de-passarinho ou cipó-chumbo. só sei da facilidade com que me enraizo a convivências e lugares que vou conhecendo - sou a dependência de meus externos, autonomia sem voz gritada dentro da cabeça. ah, que sufoco que é não ter voz! que sufoco que é ser um peso inerte, ter meu corpo lavado pelas palavras dos outros e minhas vontades resumidas àquelas biológicas. tento encontrar, nas profundezas oceânicas de meu subconsciente, o garoto que guarda os sonhos. ele os guarda feito Pandora: em uma caixinha que carrega consigo e que não quer ser aberta. por que não quer ser aberta? este querer... será da caixa ou meu? não sei, nas profundezas escuras tudo se confunde. tudo vira nada e nada vira tudo, e eu sou um paradoxo entrando em curto. sou este pane maquinal, o mal-funcionamento de minha capacidade de colocar as coisas em prática. eu sou a teoria dos sonhos (eu sou sempre a teoria), e a busca por autodefinição em meus "eu sou". eu deveria saber que, afinal, falar em 'ser' é só estigmatizar. deveria me preocupar menos.

mas dae que aparece o engenheiro. ele avalia o mal-funcionamento, aponta alguns defeitos de fábrica e conta uma história sobre um tal 'joão-de-barro'. o engenheiro diz que nada pode fazer, que ele não tem o equipamento nem a permissão para intervir diretamente em mim. porém diz que eu deveira ser mais igual ao 'joão-de-barro' - pra que criar raízes? - dizia o engenheiro enquanto acendia um cachimbo do século passado. tragou e soltou a fumaça lentamente, admirou como a fumaça se esvaia no ar e disse que eu também deveria ser mais parecido com a fumaça - olhe bem como as moléculas se desprendem de um todo completo pra se perder na imensidão do mundo, e nem por isso elas sentem medo, não é? - dizia euforicamente - e quem sabe alguma dessas moléculas não chegue a participar de algo ainda maior do que a fumaça de meu cachimbo... quem sabe alguma delas participe do tal efeito estufa ou algo do gênero. o engenheiro ria. eu mexia os olhos, em condescendência. eu sempre condescendo.

ah, que venha a libertação! que venha o ludismo humano: rasguem meus músculos, quebrem meus ossos, libertem minha mente de toda existência estruturada fisicamente! rompam o cordão umbilical, rompam as minhas raízes! e me deem asas, ó deuses, asas para meus sonhos! (por que peço a eles? cadê meus movimentos? cadê minha vontade? será que tenho a imperatividade pra conseguir mudar? )