domingo, 17 de outubro de 2010

Antropofagia


Sinto falta das marcas no meu corpo, qualquer mordida ou arranhão para o qual as pessoas olhassem e entendessem que eu, em algum grau, encontrei o amor. Sinto falta do que você viria a significar, e de ficar encharcado com você embaixo da chuva misturando água e saliva, ignorando o frio e todo o resto do mundo. Minhas paredes sentem falta dos arranhões, meu travesseiro sente falta das mordidas, e eu sinto sua falta. Sinto falta de mascar seus chicletes sem gosto, de eu pegar tudo que é seu, de você completar tudo que é meu. Vivo como Hati, olhando a lua lá em cima e correndo atrás enquanto ela atravessa os céus; quem sabe um dia eu irei alcançá-la e devorá-la.

domingo, 10 de outubro de 2010

And I would be sad if our new love was in vain

Vê-la dançando ao som de alguma balada qualquer, de alguma música extrapolada de sentimentalismo, vê-la quase que querendo que aquelas palavras fossem verdade, magnetizando minha atenção por segundos ou milisegundos. Um momento de epifania sentimental que parecia confortar, querer fazer sentido, servir de inspiração tola para algum desabafo qualquer. Quase a ouvi sussurrar aquelas palavras, recitá-las para mim, dizer que compreendia e que eu não estava imaginando coisas de novo. Mas durou apenas tempo suficiente para ser uma lembrança legal, uma lembrança tão qualquer quanto todas as outras coisas que haviam acontecido naquela semana. Acabou-se sôfrego de oportunidades melhores e de coisas que eventualmente dão certo, acabou-se tão repentinamente quanto começou. Minha mente fragmentada e desconexa buscou novamente enfatizar algum momento tolo, só pra ver se eu fico melhor assim. Eu não sei como concluir esse texto.

With a little help from my friends

Procurei pensar sobre nada relevante por algumas horas, esquecer situações deletérias e gritar rock and roll até os meus pulmões não aguentarem mais, até o mundo fazer um pouco de sentido. Foi o rock, foram as chances perdidas, foram os abraços envolvidos de efemereuforia, foram as danças e as trocas de olhares, foi reviver uma memória coletiva, foi ver diante dos olhos um sonho quase sendo realizado, e foi ver a realidade afundando num copo de bebida, expirando no ar como a fumaça de cigarro. Foi eu buscando tragar todos os sentimentos daquele momento único, e vendo as memórias-fumaça desaparecendo no céu estrelado, acendendo uma estrela qualquer. Foi eu querendo eternizar aquelas memórias em meu corpo com marcas de cigarro e machucados quaisqueres, buscando algo para o qual olhar e lembrar de tudo o que aquelas músicas representavam. Foi aquele vortex temporal que me levava para memórias nunca vividas, nostalgia herdade de algum tempo qualquer, de uma idealização convincente. Foi bom.

sábado, 2 de outubro de 2010

Thought it shines so bright, you still do feel the blues

Sentados no porão de sua casa denovo, fumando cigarros e nos envolvendo em alguma discussão tola.


Você falando mal do rock e defendendo pontos de vista de minorias enquanto eu acho você ridícula e perco a paciência com sua falta de coerência. Nunca nos demos bem, realmente, sempre tivemos pontos de vista divergentes e poderíamos muito bem nos odiar pelas inúmeras vezes que brigamos. São diferenças irreconciliáveis, você diria enquanto eu sufoco você com minhas críticas, numa tentativa inútil de lhe convencer que quem está certo sou eu. Eu não gosto de você, eu não gosto da sua personalidade, eu não gosto de suas ideologias baratas; mas eu amo discutir com você, porque eu também odeio que concordem comigo por preguiça de tentar me convencer que estou errado.

Remenda o meu sorriso e, sorrindo, me costura mais uma ruga


Acho que você tem tido um função paleativa em minha vida, dizendo com seus gestos complacentes que tudo eventualmente ficará bem. Dizendo, em meio a escárnios amorosos, que eu exagero demais em meus problemas, que eu exagero demais em tudo. Com aquele seu jeito de tanto faz, me dizendo que não acredita em quem acredita no amor e zombando meu romantismo incurável. Você, que sempre acreditou tanto no amor e sempre teve tanta fé em coisas que eu nunca nem ao menos acreditei, agora, me diz isso assim. Passo a acreditar na mutabilidade das pessoas, e que nenhuma personalidade é tão concreta que não possa ser moldada inescrupulosamente pela vida.

E eu, que andava assim tão zé, deixei que tudo fosse e decidi olhar pra frente

Ah, cansei só um pouco de fazer planos e mais planos pra poder esbarrar com você naquela esquina de merda, ou de procurar alguma explicação plausível para todos nossos desencontros nostálgicos, e achar que está tudo bem estar tão perto-longe de você. Cansei só um pouco de todas as pseudo-lembranças que minha mente criativa inventa sobre nós e de parecer tão ridículo a mim mesmo, de querer tão veemente contradizer cada fibra de razão que possuo só pra poder sonhar um pouco mais alto. Acho que a constante cumulatividade de minhas expectativas tem tido um efeito tóxico, mas uma toxicidade elucidativa, virulência inversa. Eu acho que cansei um pouco de você. Mas só um pouco. "Um rei me disse que quem deixa ir tem pra sempre."