sexta-feira, 18 de março de 2011

Tom, the rain dog

E o concreto lhe invadia feito onda, as pernas enterradas até a altura dos joelhos, os pés despedaçados, estava cansado. A vida era-lhe um retrato surrealista de mãos contorcidas e faces deformadas, vivia dentro de um relógio como ponteiro, andando em círculos e tentando justificar que iria chegar em algum lugar eventualmente, era rotina justificável. E queria enlouquecer, fugir de seu mundo de 360 graus, expandir; a auto-destruição era um preço baixo a pagar em nome de uma boa história, em nome de uma boa biografia. Mas havia dado tantas voltas que o tempo havia passado, e agora estava ele, um velho beberrão de tosses doloridas, de ideologias e gostos ultrapassados, o rosto cheio de rugas, solitário em um bar ouvindo um albúm de 1985. Sua vida se resumia a uma imensa quantidade de relíquias, de discos antigos e prateleiras de livros, uma coleção bem vinda a qualquer sebo da cidade. Tinha essa ideologia de vida que nunca teve coragem de botar em prática, preferindo sempre a caretice das coisas seguras, o enfado desprezível. E, ridiculamente, se apegava a dizeres literários; seus olhos brilhavam quando lia o trecho em que Leminski dizia: 'Pense e te apareça, senão eu te invento por toda a eternidade'. E o relógio que estava prestes a parar ganhava corda e continuava girando em seu mundinho de ilusões.

sexta-feira, 11 de março de 2011

It's toasted

Sentava nos bancos detonados da rodoviária olhando as pessoas e se perdia em meio a psicologias deduzidas e estereótipos pré-fabricados, qualquer perfil que pudesse montar pra passar o tempo. E quase sempre acabava se apaixonando por alguma desconhecida, às vezes por causa de um tênis, ou a banda estampada na camiseta, ou qualquer coisa do tipo. Não queria ser levado a sério, se apegava irrealisticamente a coisas superficiais como um passatempo, como uma fuga do ordinário. E, mesmo não querendo admitir, se sentia intoxicado pelas ilusões que ele mesmo criava, se sentia exilado de sua própria realidade, idealizando coisas que não conhecia em detrimento de realidades confortáveis. Esfacelava a moralidade com as mãos, deixava o seu vazio ser preenchido por histórias e contos. O gosto de vermelho descia amargo, preenchia seus pulmões, aliviava todo peso de existir. Só mais duas horas até o circular da madrugada chegar, esperava impacientemente.

segunda-feira, 7 de março de 2011

One more cup of coffee

Saiu apressadamente, quase tropeçando nos paralelepípedos da calçada. Chegou do outro lado da rua, entrou por uma porta e ficou feliz por ver o lugar vazio. Olhou para o atendente do outro lado do balcão e finalmente disse o que estava entalado em sua garganta na última hora: - Um café, por favor. Era só mais um dos tantos exageros que tinha, dos tantos vícios. Moderação sempre pareceu uma desculpa repugnante para não ter uma vida. Vícios e defeitos faziam o interesse dele crescer, queria que a vida dele fosse uma imensa tragédia shakespeariana... Não suportaria que fosse uma comédia, não mesmo. Tomou o primeiro gole de café e aquilo queimou sua garganta deliciosamente; se não tivesse aquele café sem açucar pra tomar seu dia nunca começaria direito. E seu dia seguia desajeitadamente, mascando chicletes sem gosto, fumando cigarros pela metade e apagando na sola de seu All Star, andando pra lá e pra cá, o céu nublado e as arquiteturas que ele insistia em admirar. E sentia orgulho de tudo aquilo, e sentia orgulho da vida desajeitada, do andar bêbado que era o ritmo que levava, e dos tropeções que ninguém estava lá para ver.