sexta-feira, 22 de março de 2013

A inventividade da vida na clausura do teatro em "Opening Night"

É engraçado, existem certas obviedades da vida que regularmente nos passam desapercebidas. É uma realidade por debaixo da realidade, algo que a vida nos esconde (ou algo que nós nos forçamos a não ver). É como um jogo de sedução, certo conflito dialético entre o que somos e o que queremos parecer ser, um jogo no qual o sedutor nunca deixa perceber suas rachaduras ou o que move sua engrenagens mentais, apenas nos mostrando algo maravilhoso. Essa é a essência de todo tipo de espetáculo, é a matéria fundamental, é o modelo gerador de todo entretenimento que utiliza-se da construção, tijolo por tijolo, de uma realidade ilusória, mágica, fantasiosa para vislumbrar seus telespectadores. Eis o porquê da metalinguagem ser um recurso incrível, ela mostra para nós o espetáculo por detrás do espetáculo, as estruturas básicas, o processo criador e nos deixa mais próximos de um sentimento de realidade e de compreensão. Não é mais a impecabilidade de um espetáculo, é a tomada de consciência de que aquilo tudo foi previamente preparado, de que você está sendo apresentado a uma mentira. É isso que o filme me mostrou: uma peça de teatro e a míriade de esforços por parte de todos os envolvidos para que o espetáculo saia como planejado. Mas eis que a vida acontece, e os atores possuem problemas tão ou mais dramáticos do que os interpretados em cena. Não é mais a visão de um roteirista ou diretor, é uma máquina posta em funcionamento com certas indicações gerais mas que, em seu desenvolvimento, pode sair completamente de rota (afinal, isso é a vida). Eu acho que eu nunca tinha pensado no quanto as coisas poderiam sair do planejado, do quanto de inventividade pode existir em toda peça representada em qualquer lugar do mundo. Gena Rowlands se confunde com Myrtle Gordon que se confunde com Virginia que se confunde com Nancy, eis a multifacetação da personagem que vemos em tela e que está o tempo todo fazendo as coisas saírem do controle, intervindo no rumo do espetáculo, dialogando com o público. Consigo ver nessa Gena Rowlands a Gena de "Faces" com sua frieza sentimental disfarçada de euforia alcóolica, e consigo ver a Gena de "A woman under the influence" com seus momentos de desvario, seu rosto impregnado de uma jocosidade em relação à vida e seu jeito de mandar tudo à merda porque ninguém a entende. Eu sinceramente estou apaixonado pela Gena, por todas elas. E estou apaixonado por esse trabalho, por essa minuciosidade de John Cassavetes em nos fazer olhar para a parte mais desconfortável de nós mesmos. Se seus closes nos fazem olhar para cada fibra do rosto dos personagens, a sua trama e o seu trabalho de reencenação da vida nos fazem olhar bem no fundo de toda verdade desconfortável que nós evitamos ver. É camada atrás de camada, é um ritmo que nos faz ficar ao mesmo tempo vislumbrado e incomodado, é ilusão e realidade em harmonia.

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