quarta-feira, 20 de março de 2013

Pão com manteiga, café e cigarros

Elias levanta-se lamurioso. As noite se tornaram cada vez mais curtas à medida que foi envelhecendo. Levantar-se da cama é um esforço digno de Atlas: Elias se ilude pensando que carrega o mundo em suas costas. Trata-se de uma variação psicológica do típico drama egomaníaco: um egomaníaco tradicional pensaria que as pessoas, os astros e o universo conspiram e funcionam a seu favor; mas, como Elias não foi agraciado com a riqueza nem a genealogia necessária para continuar acreditando nessa farsa, convenceu-se de outra forma que o seu levantar e trabalhar todos os dias é o motor essencial do mundo (a relativa grana de seus pais, sua pequena instrução e o fato de adorar Woody Allen lhe proporcionaram essa dimensão psicológica medíocre). Então Elias levanta e dá sequência à sua rotina melancólica. Vai à padaria perto de sua casa comprar pão francês e um maço de cigarros. Hoje é um dia especial, porque o preço do cigarro subiu. Elias simula desentendimento quando a moça do caixa lhe pede 20 centavos a mais: "Mas subiu? Nem eu fiquei sabendo dessa...". Em seguida reproduz algum discurso sobre a cobrança de impostos em cima dos cigarros: "Quem lucra com isso é o governo, uma exploração!". Por fim, volta para casa convencido de que seu dia havia começado mal.
Existe um tipo de ritual que Elias realiza todos os dias, que é tomar o café amargo sem açúcar com pão francês, e fumar um cigarro enquanto fica em silêncio pela casa refletindo. Ele vê nesse gesto algo de poético, algo de grandioso. Não sabe bem explicar o porquê. Prepara seu café com calma. É o único momento até o final do dia que ele irá poder ter algum tipo de calma ou sossego, então aproveita. Já sabe da dor de cabeça do transporte público: metrô pra ir pro emprego, dois ônibus pra ir pra faculdade. No começo enxergava no transporte público certo grau de poesia também. Veja bem, Elias se esforça pra enxergar o mundo através de lentes analíticas disfarçadas de otimismo (ou vice-versa), mesmo que faça isso revestido sempre de prepotência intelectual - ele é uma espécie de voyeur do cotidiano. De toda forma, via no transporte público algo já anunciado na literatura nacional pelo livro "O cortiço" de Aluízio de Azevedo: lembra-se dos dizeres de sua professora de literatura acerca do livro, sobre como o autor gostava de explorar narrativas transcorridas em espaços de vivência compartilhada, utilizando a proximidade dos indivíduos em seu cotidiano como uma forma de gerar situações que revelem as hipocrisias e confrontos inerentes à sociedade. Pra Elias, o transporte público de maneira geral era qualquer coisa assim: um pedaço de convivência com todo tipo de gente, mesmo que por um tempo limitado do dia. É "O cortiço" nosso de cada dia. Por um tempo até deixara de escutar música para poder escutar conversas. Mas hoje está em um momento da vida em que tudo provoca irritação, é um estado de insatisfação crônica. Ele sente-se extremamente preguiçoso em relação a tudo, e só quer atravessar os dias até essa maré passar. Ele sabe que passa, porque sempre passa. Toma o último gole de café, veste seus tênis e parte pra mais um dia. Seu rosto, antes de abrir a porta de casa para ir, é um misto de tédio, sono e tristeza. Todo mundo tem seus motivos.

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