É aquele velho mal-estar entalado na garganta. Recorro ao petume, bebo fumaça como se fosse remédio caseiro, faço igual aos indígenas antes da comunhão com o sagrado. É um paradoxo no mínimo curioso: os rituais e as crenças que pra outros soam absurdas e ingênuas são a herança que carrego, e absurdo pra mim é todo o resto. Minhas percepções já estão alteradas, caso meus dedos com uma alucinação qualquer, deito meus olhos cansados sobre pretéritos perfeitos e imperfeitos... e mais-que-perfeitos. O bom de viver no passado é não enfrentar o desconhecido. Mas é inevitável, e portanto busco neste transe algum tipo de epifania, uma nova interpretação da realidade, uma direção, qualquer coisa que me permita enfrentar o que está por vir - mas nada aparece. Não sei o que dizer do desconhecido, não sei o que fazer com as coisas que não entendo. Aos poucos sou absorvido por uma realidade dura e crua, um maquinismo de pensamentos e logicidades, sou ridicularizado e torno-me um bárbaro que ainda acredita no amor rústico. O petume como conheço é substituído por algo bem mais aristocrático: chaminés cuspindo fumaça. Ah, a modernidade!
Mudança de cenário. Ando pelas avenidas largas da metrópole de nossos tempos: lojas com luzes piscantes, anúncios espalhafatosos, prédios e mais prédios... A vida até parece perfeita quando se vive neste cosmo pré-fabricado. Estou tão entretido com os concretos que não vejo e esbarro em um desses indesejáveis que estava agachado no chão. Tropeço e caio. O homem corre em meu auxílio pedindo por desculpas com o mais sem jeito dos jeitos. Estou prestes a dizer alguma idiotice quando reconheço o homem. Como não reconhecer uma das mais belas metáforas já criadas? Pierrot tem olhos chorosos e tudo nele denuncia desvario, neurose, esquizofrenia romântica. Pergunto o que ele fazia ali agachado no chão, e ele responde que havia perdido algo de importante valor. Insisto para saber do que se trata. Pierrot, com sua teatralidade e seu exagero inatos, responde que procurava pelo amor que lhe fugiu. E, como em um estalo, Pierrot transubstancia-se em mim. Ah, como pude esquecer? Arlequim, seu alcoviteiro, seu debochador, quando foi que deixei você vencer? Roubou meu amor, roubou o que eu acreditava, e eu meti-me neste ostracismo e nada mais quis enxergar! Aos poucos me acalmo. Não existe lugar na fluidez do mundo que vivo pra ingenuidade e para o amor platônico tipicamente pierrotiano, não é? Mas sempre existirão Arlequins e Colombinas. E talvez Pierrot seja visto como um louco, mas é só porque todos ao seu redor estão insanos e acham isso a coisa mais normal do mundo. Pierrot, ah, como sua lucidez me dói. Pierrot, você é o nó na minha garganta.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Minha consciência pierrotiana
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"Pierrot, ah, como sua lucidez me dói", ainda acho que o mundo precisa de mais Pierrots. Lindo texto
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