Era tudo consequência.
A cabeça de Seu Zé torrava embaixo do sol enquanto ele carpia o terreno. Era uma tarefa meticulosa, desnudava a terra com o carinho de um amante e deixava apenas uma fina camada protetora. Não tinha nada a ver com aquela neo-baboseira de técnicas de plantio, ah não. Veja bem, Seu Zé sabia que uma amante toda nua não tem charme, e que o importante era exibir apenas o suficiente para dar asas à imaginação de quem olha.
José já teve muitos amores e alguns casamentos infelizes. Hoje é sozinho, só ele e a chácara na Nova Alta Paulista. José sempre amou demais, amou tanto que seu amor não coube em ninguém.
Zézinho não teve infância. Desde cedo trabalhava para ajudar com a renda em casa, a vida inteira dele só soube trabalhar. Não teve estudo decente, sempre trabalhos manuais que lhe castigavam agora na velhice.
Zézinho e José refletem no Seu Zé de hoje: de tanto trabalhar tem no trabalho sua única alegria, e trabalha com amor.
Ele tem agora um último projeto de vida, um projeto um tanto ambicioso aos olhos de quem duvida demais. Seu Zé explica com a voz rouca que cometera erros demais em sua vida, que não pudera realizar vontades por falta de condição; e as rugas de Seu Zé completam dizendo que está castigado, que está cansado demais - e o meu tempo, cadê? esse tempo não volta. Afinal, o mundo é um moinho e ninguém escapa dele.
Seu Zé, portanto, cultiva agora um tipo de planta que poucos haviam tentado plantar antes. Ele tem, nos fundos de casa, uma plantação de sonhos. "Ah, mas do que se trata isso?", dirão os incrédulos.
Vou tentar explicar melhor. Outro dia Seu Zé encontrou algumas sementes de sonho em sua cabeça, coisa que nunca teve oportunidade de crescer por causa das condições ruins que tinha por lá, e guardou-as em uma caixa para decidir o que fazer.
Um dia qualquer, conversando com o amigo Idílio, descobriu que haviam descoberto uma maneira de cultivar essas coisas em terra firme, - parece depender da qualidade da semente e do quão sôfrego de realizar aqueles sonhos está quem as plantar, mas de resto é só cuidar igual semente qualquer - disse o amigo, jurando não ser brincadeira.
Bom, Seu Zé confiava em Idílio, amigo de todas as horas desde que era muito pequeno. Portanto investiu na engenhosa plantação. Aparentemente cada planta daquelas sementes irá crescer e dar um único fruto cada, o fruto maduro era o sonho prontinho. Seu Zé trabalhou duro para que aquela fosse a melhor plantação de sonhos que alguém poderia ter.
Ah, mas como aqueles 6 meses demoraram pra passar. O tempo realmente é a cruz de todos, e agora ainda mais. Finalmente as plantas antigiram o máximo de crescimento, e deram frutos.
Mas os frutos não amadureciam, ficavam verdes e caiam no chão, podres. Seu Zé começou a entrar em desespero - a minha vida, os meus sonhos, cadê? -. Enterrou-se na plantação procurando por alguma planta que tivesse dado um fruto maduro, uma que fosse, e não encontrava nada. Seu Zé deitou no meio da sua plantação, o céu estava em prantos por ele, agonizava em trovoadas. Seu Zé desmoronava.
Até que o céu engarrafado de nuvens negras deixou passar um raio de Sol que despertou o Zé. Ele olhou para o caminho que o raio luminoso indicava, percorreu-o adentrando ainda mais na plantação.
O que encontrou foi o suficiente para o fazer chorar, derramar lágrimas que escorriam pelas rugas cansadas do velho homem. Ah, mas que visão! que visão! um único fruto maduro na plantação.
Zé agarrou o fruto. Ficava admirando aquela cor avermelhada, sentia o cheiro. Ah, que cheiro delicioso possuem os sonhos. Zé arranhava com os dentes a fruta, sem mordê-la, apenas apreciando aquele momento.
Finalmente Zé mordeu a fruta, adentrou no sonho. E só o que se ouvia eram gargalhadas e mais gargalhadas; o céu agora desempedido e completamente azul, revelando um horizonte que não tinha mais limites. E o Zé feliz ria alto, morria de tanto rir.
sábado, 9 de julho de 2011
domingo, 3 de julho de 2011
O amor recíproco infeliz
Olhou-a com aqueles olhos míopes e curiosos, olhos que tranformavam tudo em abstração, que abstraiam tudo em uma reflexão desajeitada. Ela contorcia o lábio em um esforço mudo para se manter calma e centrada, precisava de paciência.
Por causa do tempo, ela encontrava-se cansada do jeito efusivo e dinâmico dele, das maneiras exagerados, de toda a gesticulação pra falar, da impulsividade de querer perambular pela cidade em um sábado à noite sem querer chegar a lugar nenhum, é um absurdo - pensava ela - as ruas não são mais as mesmas, as ruas não são seguras para mim e meu amor. Não acreditava mais nas teorias sobre a relatividade que ele insistia em contar para ela, estava cansada de toda a inconstância dos últimos 2 anos. Ela, como todo cadáver adiado, tinha chegado em um ponto que precisava de uma rotina, de uma sequência lógica para a vida. Precisava ser entendida.
Ele frustrava-se. Não tinha paciência para os algebrismos dela, as neuras sobre logicidade, as progressões para o futuro, aquela vontade de estagnar a vida, de ter dias mais iguais. Ele tinha tanto ainda para fazer, tanto para ver. E ela insistia em lhe tentar arrumar o cabelo, a cabeça, a vida.
Ela queria montar quebra-cabeças, ela via o mundo em geometrias, ela era em geometrias, tinha o cérebro quadrado. Ela arquitetava tudo. Já ele se perdia em labirintos, enterrava-se em curvas. Ele balbuciava um léxico fragmentado de corações partidos enquanto ela ria da mania de hiperbolismos dele. Tudo que ela queria era tocar um samba, um choro qualquer, e ele ria junto condescendendo que exagerava mesmo.
E, desapercebidamente, eles constituíam juntos um só coração artificial: ela era a sístole, ele era a diástole. Juntavam os excessos opostos um do outro e formavam um único organismo, atingiam um grau de sintonia, de moderação em relação a tudo. Ela estampava os dentes brancos feito a pele, arranhava-o com os dedos finos; ele denunciava felicidade em um sorriso torto, em dedos que entrelaçavam os dela, em maneiras sem jeito de dizer que gostava daquela mistura.
Por causa do tempo, ela encontrava-se cansada do jeito efusivo e dinâmico dele, das maneiras exagerados, de toda a gesticulação pra falar, da impulsividade de querer perambular pela cidade em um sábado à noite sem querer chegar a lugar nenhum, é um absurdo - pensava ela - as ruas não são mais as mesmas, as ruas não são seguras para mim e meu amor. Não acreditava mais nas teorias sobre a relatividade que ele insistia em contar para ela, estava cansada de toda a inconstância dos últimos 2 anos. Ela, como todo cadáver adiado, tinha chegado em um ponto que precisava de uma rotina, de uma sequência lógica para a vida. Precisava ser entendida.
Ele frustrava-se. Não tinha paciência para os algebrismos dela, as neuras sobre logicidade, as progressões para o futuro, aquela vontade de estagnar a vida, de ter dias mais iguais. Ele tinha tanto ainda para fazer, tanto para ver. E ela insistia em lhe tentar arrumar o cabelo, a cabeça, a vida.
Ela queria montar quebra-cabeças, ela via o mundo em geometrias, ela era em geometrias, tinha o cérebro quadrado. Ela arquitetava tudo. Já ele se perdia em labirintos, enterrava-se em curvas. Ele balbuciava um léxico fragmentado de corações partidos enquanto ela ria da mania de hiperbolismos dele. Tudo que ela queria era tocar um samba, um choro qualquer, e ele ria junto condescendendo que exagerava mesmo.
E, desapercebidamente, eles constituíam juntos um só coração artificial: ela era a sístole, ele era a diástole. Juntavam os excessos opostos um do outro e formavam um único organismo, atingiam um grau de sintonia, de moderação em relação a tudo. Ela estampava os dentes brancos feito a pele, arranhava-o com os dedos finos; ele denunciava felicidade em um sorriso torto, em dedos que entrelaçavam os dela, em maneiras sem jeito de dizer que gostava daquela mistura.
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