domingo, 3 de julho de 2011

O amor recíproco infeliz

Olhou-a com aqueles olhos míopes e curiosos, olhos que tranformavam tudo em abstração, que abstraiam tudo em uma reflexão desajeitada. Ela contorcia o lábio em um esforço mudo para se manter calma e centrada, precisava de paciência.
Por causa do tempo, ela encontrava-se cansada do jeito efusivo e dinâmico dele, das maneiras exagerados, de toda a gesticulação pra falar, da impulsividade de querer perambular pela cidade em um sábado à noite sem querer chegar a lugar nenhum, é um absurdo - pensava ela - as ruas não são mais as mesmas, as ruas não são seguras para mim e meu amor. Não acreditava mais nas teorias sobre a relatividade que ele insistia em contar para ela, estava cansada de toda a inconstância dos últimos 2 anos. Ela, como todo cadáver adiado, tinha chegado em um ponto que precisava de uma rotina, de uma sequência lógica para a vida. Precisava ser entendida.
Ele frustrava-se. Não tinha paciência para os algebrismos dela, as neuras sobre logicidade, as progressões para o futuro, aquela vontade de estagnar a vida, de ter dias mais iguais. Ele tinha tanto ainda para fazer, tanto para ver. E ela insistia em lhe tentar arrumar o cabelo, a cabeça, a vida.
Ela queria montar quebra-cabeças, ela via o mundo em geometrias, ela era em geometrias, tinha o cérebro quadrado. Ela arquitetava tudo. Já ele se perdia em labirintos, enterrava-se em curvas. Ele balbuciava um léxico fragmentado de corações partidos enquanto ela ria da mania de hiperbolismos dele. Tudo que ela queria era tocar um samba, um choro qualquer, e ele ria junto condescendendo que exagerava mesmo.
E, desapercebidamente, eles constituíam juntos um só coração artificial: ela era a sístole, ele era a diástole. Juntavam os excessos opostos um do outro e formavam um único organismo, atingiam um grau de sintonia, de moderação em relação a tudo. Ela estampava os dentes brancos feito a pele, arranhava-o com os dedos finos; ele denunciava felicidade em um sorriso torto, em dedos que entrelaçavam os dela, em maneiras sem jeito de dizer que gostava daquela mistura.

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