domingo, 30 de outubro de 2011

"- vai ser gauche na vida!"

Ó, tédio de todos os tédios! tédio da vida!
fico envolto em um não-sei-o-que de não sei o que fazer.
as escolhas feitas e não cumpridas
são desfeitas, refaço meus planos
pra entrar em sintonia com coisas que, novamente,
aumentem os meus níveis de serotonina.

Quero ser sempre mais do que fui ontem,
e menos do que serei amanhã.
quero a destreza pra ser quem quero ser.
NÃO ao enfadoso! NÃO ao chato!
não a quem eu seria simplesmente por poder ser,
sem ao menos querer ser.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

cinza

mastigo bolachas de canela e aveia que estavam na minha prateleira como quem mastiga pedaços murchos e mofados de sonho. é engraçado o quanto tudo pode virar uma lembrança distante num passar de instantes, e o quanto tudo vira motivo pra lembrar sem motivo aparente. eu sou um glutão de sonhos e lembranças, vou digerindo tudo que posso, vou engolindo o máximo que posso - logo logo vira tudo ATP nas minhas mitocôndrias, pra se dissipar. é preciso internalizar para depois externalizar, ou sei lá.
minha próxima refeição: lembrei do dia em que tentei roubar suas pupilas para mim. veja bem, suas pupilas eram qualquer coisa próxima do gigantesco, preenchiam a palma de minha mão. eram como aquelas bolas de cristal que eu queria levar pra todo canto. olhos de lua cheia, a porta de entrada para sua alma. e toda íris ornava muito bem com o branco pálido do canto do seu olho e da sua pele, como se fosse feito pra dar ênfase. eu queria ser dono de tudo isso - eu sempre quero feito uma criança. você me encarava com esses olhos quase-marrons-quase-negros, como quem desvenda tudo e diz do que não posso ter. encarar é sempre uma perversão. eu nunca levei jeito pra isso.
o café é um catalisador do processo, pra deglutir tudo mais rápido. encharco a garganta de café e lembro que hoje seus olhos são acinzentados, sua cara é diferente, até sua voz mudou de tom. não sei se foi realmente você quem mudou. talvez mudei eu. tudo é muito relativo.

domingo, 16 de outubro de 2011

encontro

ela estava sentada na mesa da frente de frente para mim. usava um daqueles óculos grandes de armação grossa os quais denunciavam que ela indiscutivelmente havia lido mais livros do que eu: os óculos eram um exagero intelectual. segurava a taça de vinho na altura dos ombros enquanto parecia falar algo interessantíssimo para a pessoa à sua direita. tinha uma risada aristocrática que ecoava abafada pelo salão, sempre ria nas horas certas - e como ria nas horas certas. do lado esquerdo dela estava um gentleman que exalava tédio: parecia ser profundo feito uma bacia, daqueles que falavam sobre imóveis luxuosos, iates, o verão em Cancún ou a bota que comprou por 60 euros na África e que era impermeável. aquele cara era o domingo de todo mundo. e ela sabia disso.
mas então que de repente, e não mais que de repente, ela se levantou para ir embora. e eu pude ver que ela usava uma daquelas saias floridas que sei lá porque me atraem tanto, é um negócio que fica bem. acompanhei-a com os olhos enquanto saía do salão. ela, por um centésimo de segundo, fitou-me com seus olhos míopes através da janela de seus óculos. ela sabia de tudo. mas foi embora mesmo assim, e me deixou de coração na mão.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

fico desconfortável por me sentir esvaziado de mim mesmo, eu me sinto insuficiente em todos os gestos, em todas as palavras. outro dia estava ouvindo os hermanos de um jeito que fazia tempo que não escutava quando avistei da minha janela o amor esparramado na calçada de casa. beijei seus joelhos e disse que amores e amoras não crescem por aqui - é o clima frio, seu e da cidade. saí pelas ruas. saí com as pessoas tropeçando em mim, procurando calores que suprissem minha falta de um agasalho. veja bem, o agasalho é só uma metáfora. o acaso de alguns sorrisos seria suficiente, ou então esbarrar com aquela garota de sábado passado que agora estava com um corte de cabelo novo. algumas conversas aleatórias, algumas mentiras contadas e volto pra casa. deito-me ao seu lado e fico igual meu criado: mudo. você é engolida pela cama aos poucos e logo desaparece. acendo um incenso pra disfarçar seu cheiro e medito sobre o sentimento desgarrado, sobre a falta e sobre meu contentamento descontente. aquele dia não amanheceu. agora você aparece de quando em quando pra perguntar como estou, e eu sempre tenho duas respostas, coisa de dualismo psicofísico: nós somos sempre dois. nunca pensei que o coração se contentaria e que a cabeça fosse ficar sem entender nada. é tão mais difícil convencer minha cabeça. a casa sem você vai desabando aos poucos - se não existe lógica, então as coisas fora de lugar devem fazer muito mais sentido. e fazem.